Não resisti. Publico aqui uma entrevista com Cassio.
Cássio Martinho, jornalista e consultor em gestão de redes para uma série de instituições governamentais e ONGs, Cássio Martinho, 44, é autor do livro “Redes – uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organizações”, uma das principais referências nacionais sobre o tema. Palestrante do seminário Redes e Desenvolvimento 2008, Martinho fala ao Portal da RTS sobre o papel das redes para o desenvolvimento, aponta os desafios das novas redes organizacionais em construção no país e indica caminhos para construir processos mais horizontais que considerem a participação de todos.
Rede de Tecnologia Social - Qual o papel das redes para o desenvolvimento?
Cássio Martinho - Sou um pouco crítico da idéia das redes como instrumento. Na verdade, as pessoas ainda tendem a ver as redes como uma forma de organização capaz de produzir determinados efeitos. Neste sentido, ela tem uma contribuição a dar que será mais ou menos eficaz de acordo com a capacidade organizativa dela própria. Ao contrário dessa idéia, acho que a rede é condição para o desenvolvimento, não um instrumento. Ela não é meio para chegar lá, mas um elemento constitutivo disso a que se almeja, ou seja, o desenvolvimento para ser integrado e sustentável deve por si só conter características de alta conectvidade, alta colaboração entre os parceiro e elevado nível de capital social.
RTS - É possível fazer uma distinção entre redes de relacionamento e redes de resultado?
Martinho - Acho que são duas expressões de um mesmo fenômeno. Toda rede operativa é atravessada por relacionamentos. Ao mesmo tempo, essa rede operativa vai produzir uma série vasta de relacionamentos a partir da sua ação. O que a gente pode dizer é que essas redes operativas organizam um conjunto de relações. O que ela vão fazer é dar um caráter um pouco mais operacional a esses relacionamentos. Ao invés destes relacionamentos ficarem tão espontâneos e dispersos pelo meio, as redes vão organizá-los de tal maneira que possam operar de forma mais constante e sistemática.
RTS - Quais são os elementos constitutivos de uma rede?
Martinho - Entender quais são os elementos constitutivos de uma rede é vital para construir processos de gestão, cooperação e coordenação eficazes. O primeiro aspecto é a conectividade. Pode parecer óbvio, mas temos que prestar atenção que uma rede exige conexões ativas. É preciso que as pessoas acionem as conexões que existem. De um modo geral, as redes sociais têm um enorme número de relacionamento que persistem inativos. Estão lá dormindo, em latência. O segundo aspecto fundamental é a maneira de organizar estas conexões, e aí a horizontalidade é o aspecto mais importante. Uma rede só é rede na medida que mantém conectados os atores de uma forma horizontal e não de uma forma piramidal hierárquica. Nesse sentido a cooperação é potencializada garantindo-se autonomia de cada um dos atores constitutivos da rede se o modelo gerencial e organizacional apostar na não hierarquia. E o terceiro aspecto é a ação das pessoas, até porque, na verdade, redes são conexões ativas, organizadas de maneira não hierárquica, acionadas pelas pessoas.
RTS - Como equilibrar esta horizontalidade considerando que tende a haver assimetria de poder entre os atores participantes de uma rede?
Martinho - Sempre vai haver alguma desproporção ou alguma diferença de nível de poder entre os atores. Agora, a concepção da organização política da rede tem condição de mitigar e minimizar os efeitos desta assimetria se ela partir do princípio de que, em tese, todos os atores ali constituintes do processo têm o mesmo poder político. E se os atores são autônomos, você parte do princípio de que eles têm o mesmo poder, porque sujeitos autônomos que lidam com sujeitos autônomos têm de construir um relacionamento não invasivo e democrático. O desnível me parece acontecer na ação. A diferença de capacidade e recursos, per si, também não implica necessariamente em assimetria de poder. Para lidar com esse problema, as redes têm que construir seus mecanismos de gestão e decisão levando em conta os princípios da rede. Se a horizontalidade é um valor para rede, os mecanismos de gestão e decisão devem considerar esse valor e compensar isso em seu desenho organizacional. Claro que você tem de lidar com isso o tempo inteiro, nem a rede vai resolver por si o problema do poder.
RTS - Uma rede precisa ser ativa o tempo inteiro para se fortalecer?
Martinho - Acho que não. Se a gente considera a rede uma forma de organização, precisamos reinterpretar o próprio conceito de organização. Na língua portuguesa, organização designa duas coisas: um processo e algo já constituído. Em tese, se consideramos a rede como algo constituído, deveríamos manter as conexões sistematicamente ativas. Se a gente entende rede como um processo em constituição permanente, isso não significa que a rede tenha que estar organizada o tempo inteiro. Aí há uma diferença de visão e conceito entre a rede como uma estrutura organizada ou a rede como um processo de organização. Nesse sentido, as dinâmicas de rede partem sempre de uma inatividade momentânea e se constitui na medida em que os inativos se tornam ativos.
A rede, na verdade, funciona mesmo nestes momentos emergentes de colaboração espontânea quando relações latentes são acionadas por motivos muito claros e os atores se juntam para realizar alguma coisa. Muito mais que uma organização já dada, a rede me parece uma dinâmica.
RTS - Qual o papel da internet para a configuração destas novas redes?
Martinho - Como em todos os outros campos, a rede virtual é um instrumento que potencializa todas as ações por acelerar a difusão da informação. A rede aparece hoje para a sociedade muito em função do desenvolvimento da internet. Mas ela é um instrumento e as redes não necessariamente devem funcionar com base na internet. Na verdade, é muito difícil animar processos por meios das tecnologias de comunicação e informação exclusivamente.
RTS - A presencialidade ainda é essencial?
Martinho - Se pensamos a rede que vai combinar esforços e capacidade de pessoas, é óbvio que você terá de promover o encontro dos corpos destas pessoas. A pessoalidade, neste sentido, exige a corporalidade.
RTS - É possível conceber redes que sejam simultaneamente centralizadas e distribuídas?
Martinho - A rede tem que dar conta da dinâmica, ou seja, do dinamismo do fenômeno das relações sociais. Neste sentido é possível sim pensar na coexistência destes formatos num mesmo espaço tempo. Ao mesmo tempo, para que o conceito de rede tenha alguma validade operativa e teórica, ele deve marcar posição. Eu particularmente não acho que uma rede centralizada seja uma rede. Para mim a rede é uma noção que contém dentro dela a idéia de horizontalidade.
RTS - Qual a diferença constitutiva entre redes e parcerias e alianças estratégicas?
Martinho - Se a pergunta tem a ver com formatos organizacionais, diria que as alianças são uma articulação de parceiros com alguma delimitação. Ou seja, são poucos parceiros pré-definidos que se propõem a trabalhar juntos em um certo momento e acabou. As redes se diferenciam por apresentar uma configuração aberta. Ao contrário da aliança, na rede, em tese, muita gente poderia participar, não haveria distinção entre dentro e fora e qualquer um poderia entrar e sair a qualquer tempo. A rede é mais uma ambiência que comporta uma multiplicidade enorme de formas colaborativas distintas, sejam parcerias bileterais, parcerias multilaterais, alianças formais constituídas, vínculos informais, etc. A rede, portanto, seria muito mais do que uma estrutura organizacional, mas um ambiente no qual formas colaborativas distintas se apresentam.
RTS - Como avalia a proliferação de tantas redes organizacionais. Há um redismo?
Martinho - Em primeiro lugar, nem todas as articulações, organizações e processos colaborativos que se autodenominam redes são redes. Atribuo isso a um fenômeno de revisão do desejo de se associar. Se antes tínhamos algumas formas clássicas, como a cooperativa e o sindicato, a rede parece apresentar uma coisa nova. Outra coisa é a descoberta de uma nova forma de trabalhar, que não tem sido exercida em sua radicalidade até porque se trata de uma questão paradigmática complicada. Temos que superar a noção de hierarquia, e este é hoje o principal desafio. Um modelo novo de ação coletivo demanda eliminar os vícios das formas tradicionais, como a concentração de poder.
RTS - Qual caminho determinado integrante de uma rede deve seguir caso ache que sua participação não esteja sendo exercida em sua plenitude?
Martinho - As redes são dependentes da participação, da atividade, da pró-atividade e da autonomia dos sujeitos que a integram. Ora, tudo vai depender da ação do sujeito. Se ele está insatisfeito, ou com a sua participação ou com a organização da rede, ele tem de agir. Em rede não há espaço para choramingo. Pressupõe-se que todo integrante de rede está em rede porque quer. Ele tem exercer o seu poder nesse momento, apresentando-se como capaz de propor e alterar os fenômenos com os quais ele lida. Não há muita saída neste caso. E essa ação ou é de se excluir da rede, ou de repropor o pacto da rede ou de apresentar propostas de mudança do processo. Como redes devem ser pactos produzidos por entes autônomos, eles têm que fazer valer as suas considerações, opiniões e propostas.
Por Vinícius Carvalho – Jornalista do Portal da RT (06/08/2008)
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